Casca de ovo pode ser reaproveitada na produção de materiais capazes de interromper hemorragias
Dando um novo e surpreendente uso a um resíduo da indústria alimentícia, pesquisadores brasileiros transformaram cascas de ovos de galinha em um material inovador para aplicações biomédicas. O estudo, publicado no European Journal of Inorganic Chemistry, é fruto de uma colaboração entre pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), do Instituto Butantan e da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). A pesquisa detalha que o novo material é eficiente como agente hemostático, atuando para acelerar a coagulação e controlar sangramentos, o que abre caminho para se tornar uma alternativa sustentável e de baixo custo em relação às opções disponíveis no mercado.
Atualmente, compostos inorgânicos, como as zeólitas, são os mais utilizados como agentes hemostáticos em produtos comerciais. Em linhas gerais, esses materiais agem como uma esponja: sua estrutura porosa retém a parte líquida do sangue, de modo a concentrar as plaquetas e fatores de coagulação no local da lesão, acelerando o fechamento do ferimento. Porém, os autores apontam algumas desvantagens e limitações no emprego de zeólitas como agentes hemostáticos, tais como reações químicas que podem ser desencadeadas no local do sangramento, elevando a temperatura e aumentando os riscos de queimaduras na região. Frente a esse desafio, já que as hemorragias continuam entre as principais causas de óbito em acidentes, traumas e procedimentos médicos, pesquisadores buscam novas estratégias para desenvolver agentes hemostáticos de melhor desempenho e mais seguros.
No nível molecular, a coagulação sanguínea é um processo complexo que envolve uma sequência de reações em cascata que, ao final, levam à formação de um coágulo capaz de cessar o sangramento. Nesse processo, íons de cálcio (Ca²⁺) são importantes fatores que levam à ativação de diferentes proteínas envolvidas na estabilização do coágulo. Assim, considerando esse papel central do cálcio, o grupo de pesquisa voltou sua atenção para o potencial dos silicatos de cálcio como agentes hemostáticos. Para isso, utilizaram uma fonte abundante e de baixo custo de íons de Ca²⁺ para sintetizar diferentes tipos de silicatos cristalinos: a casca de ovo de galinha, sendo sua aplicação como agente hemostático uma abordagem sustentável e totalmente inédita.
Para produzir esses materiais, os pesquisadores empregaram uma técnica de síntese assistida por moldes orgânicos. Nela, a casca de ovo de galinha, que é a fonte de cálcio, foi misturada à sílica e diferentes aminas orgânicas (compostos químicos derivados da amônia), as quais foram utilizadas como agentes direcionadores de forma, isto é, usadas para guiar o crescimento da rede cristalina para que formem a estrutura porosa desejada. Como resultado, o grupo observou que a escolha do molde foi determinante para o tipo de estrutura formada. Enquanto alguns não formaram fases cristalinas, outros resultaram de uma estrutura específica, altamente porosa e fibrosa, chamada rodesita. Nesses casos, os materiais apresentaram maiores áreas de superfície e volume de poros, propriedades que potencializam seu perfil hemostático.
Indo ao encontro a esses achados, os testes de coagulação em laboratório confirmaram o potencial hemostático dos novos materiais, que aceleraram de forma significativa a formação do coágulo. Um dos materiais, ainda, apresentou um efeito mais surpreendente, agindo de maneira mais rápida e resistente do que um produto comercial à base de zeólita, amplamente utilizado em hospitais e em situações de emergência. Dessa forma, o estudo evidencia como um resíduo alimentar, antes descartável, pode se transformar em um recurso de alto valor agregado, capaz de impulsionar a produção de novos agentes hemostáticos sustentáveis, de baixo custo e eficazes. Confira o artigo na íntegra em: https://doi.org/10.1002/ejic.202500227.
Texto por Milena Rossales Castro.
🇺🇸
Eggshell waste can be reused to produce materials capable of stopping hemorrhages
Giving a new and surprising use to a food industry byproduct, Brazilian researchers have transformed chicken eggshells waste into an innovative material for biomedical applications. The study, published in the European Journal of Inorganic Chemistry, is the result of a collaboration between researchers from the São Paulo State University (UNESP), University of São Paulo (USP), Federal University of São Paulo (UNIFESP), Butantan Institute and the School of Medicine of São José do Rio Preto (FAMERP). The research details that the new material is effective as a hemostatic agent, accelerating coagulation and controlling bleeding, positioning it as a sustainable and affordable alternative compared to the options currently available on the market.
Currently, inorganic compounds as zeolites are the most used as hemostatic agents in commercial products. In general terms, these materials act like a sponge: their porous structure retains the liquid part of the blood, concentrating platelets and coagulation factors at the injury site, which accelerates wound closure. However, the authors point out some disadvantages and limitations in the use of zeolites as hemostatic agents, including chemical reactions that can be triggered at the bleeding site, raising the temperature and increasing the risk of burns in the region. Given this challenge, as hemorrhages unfortunately remain among the main causes of death in accidents, trauma and medical procedures, researchers are seeking new strategies to develop hemostatic agents with better performance and enhanced safety.
At a molecular level, blood coagulation is a complex process involving a sequence of cascade reactions that ultimately lead to the formation of a clot capable of stopping the bleeding. In this mechanism, calcium ions (Ca²⁺) are important factors that lead to the activation of different proteins involved in clot stabilization. Thus, considering this central role of calcium, the research group turned its attention to the potential of calcium silicates as hemostatic agents. To do this, they used an abundant and low-cost source of Ca²⁺ ions to synthesize different types of crystalline silicates: the chicken eggshell waste, making its application as a hemostatic agent a sustainable and entirely novel approach.
To produce these materials, the researchers employed a template assisted synthesis technique. In this method, chicken eggshells, which provide the calcium source, were mixed with silica and different organic amines (chemical compounds derived from ammonia), which acted as shape-directing agents, guiding the growth of the crystal network to form the desired porous structure. As a result, the team observed that the choice of template was crucial for the type of structure formed. While some templates did not produce crystalline phases, others resulted in a specific, highly porous and fibrous structure called rhodesite. In these cases, the materials exhibited larger surface areas and pore volumes, properties that enhance their hemostatic profile.
In line with these findings, laboratory coagulation tests confirmed the hemostatic potential of the new materials, which significantly accelerated clot formation. One of the materials showed an even more remarkable effect, acting faster and more resiliently than a commercially available zeolite-based hemostatic product widely used in hospitals and emergency situations. Thus, the study demonstrates how a food industry byproduct, once considered waste, can be transformed into a high-value resource, capable of driving the development of new sustainable, low-cost and effective hemostatic agents. Check the full article at: https://doi.org/10.1002/ejic.202500227.
